sábado, 3 de outubro de 2009

"Como Vencer a Pobreza e a desigualdade"

'PÁTRIA MADRASTA VIL'

Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. .. Exagero de escassez... Contraditórios? ? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade. O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?

Por Clarice Zeitel Vianna Silva
Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel, de 26 anos
, estudante que termina faculdade de direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários.
Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
A redação de Clarice intitulada `Pátria Madrasta Vil´ foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da UNESCO.

NS

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

"Que África escreve o escritor africano?"

Que África escreve o escritor africano?
de Mia Couto

Intervenção na cerimónia de atribuição do Prémio Internacional dos 12 Melhores Romances de África, Cape Town, Julho de 2002. Publicado no livro "Pensatempos" da Caminho. Uma outra sugestão de Natal.

O tema desta cerimónia é a relação do escritor com a luta por um mundo mais humano e democratizado. A pergunta poderia ser: qual é a responsabilidade do escritor para com a democracia e com os direitos humanos? É toda. Porque o compromisso maior do escritor é com a verdade e com a liberdade. Para combater pela verdade o escritor usa uma inverdade: a literatura. Mas é uma mentira que não mente.
O escritor, porém, em outro compromissos. Uma das obrigações do escritor africano é estar disponível para, em certas circunstâncias, deixar de ser escritor e não se pensar "africano".
Explico-me: o escritor é um ser que deve estar aberto a viajar por outras experiências, outras culturas, outras vidas. Deve estar disponível para se negar a si mesmo. Porque só assim ele viaja entre identidades. E é isso que um escritor é - um viajante de identidades, um contrabandista de almas. Não há escritor que não partilhe essa condição: uma criança de fronteira, alguém que vive junto à janela, essa janela que se abre para os territórios da interioridade.
O nosso papel é o de criarmos os pressupostos de um pensamento mais nosso, para que a avaliação do nosso lugar e do nosso tempo deixe de ser feita a partir de categorias criadas pelos outros. E passarmos a interrogar aquilo que nos parece natural e questionável: conceitos como os direitos humanos, a democracia, a africanidade. É esta nossa relação com África que eu gostaria de aqui interrogar. Porque essa "africanidade" erguida como uma identidade tem sido objecto de sucessivas mistificações.

Alguns se apressam a encontrar uma essência para aquilo a que chamam de "africanidade". Na aparência, eles estão ocupados em encontrar uma raíz para o orgulho de serem africanos. Mas, afinal, eles se assemelham à ideologia colonial. África não pode ser reduzida a uma entidade simples, fácil de entender e de caber nos compêndios de africanistas. O nosso continente é o resultado de diversidades e de mestiçagens.
Quando falamos de mestiçagens falamos com algum receio como se o produto híbrido fosse qualquer coisa menos "pura". Mas não existe pureza quando se fala da espécie humana. E se nos mestiçamos significa que alguém mais, do outro lado, recebeu algo que era nosso.
Defensores da pureza africana multiplicam esforços para encontrar essa essência. Alguns vão garimpando no passado. Outros tentam localizar o autenticamente africano na tradição rural. Como se a modernidade que os africanos estão inventando nas zonas urbanas não fosse ela própria igualmente africana. Essa visão restrita e restritiva do que é genuíno é, possivelmente, uma das principais causas para explicar a desconfiança com que é olhada a literatura produzida em África. A literatura está do lado da modernidade. E nós perdemos "identidade" se atravessamos a fronteira do tradicional: é isso que dizem os preconceitos dos caçadores da virgindade étnica e racial.

A oposição entre tradicional - visto como o lado puro e não contaminado da cultura africana - e o moderno é uma falsa contradição. Porque o imaginário rural é também produto de trocas entre mundos culturais diferentes. A maior parte dos jovens da cultura rural do meu país sonham ser Michael Jackson ou Eddy Murphy. Sonham, numa palavra, ser negros americanos.
"Eis-me aqui", escreveu Senghor, "tentando esquecer a Europa no coração do Senegal". O poeta e estadista senegalês nunca conseguiu esse esquecimento. Ele próprio foi uma ponte entre os dois continentes. Nem de outro modo poderia ser. Esquecer a Europa não pode ser eliminar os conflitos interiores que moldaram as nossas próprias identidades. A Europa estava dentro do poeta africano e não podia ser esquecida por imposição.

Entre o convite ao esquecimento da Europa e o sonho de ser americano a saída só pode ser vista como um passo para a frente. Os intelectuais africanos não têm que se envergonhar da sua apetência para a mestiçagem. Eles não necessitam de corresponder à imagem que os mitos europeus fizeram deles. Não carecem de artifícios nem de fectiches para serem africanos. Eles são africanos assim mesmo como são, urbanos de alma mista e mesclada, porque África tem pleno direito à modernidade, tem direito a assumir as mestiçagens que ela própria iniciou e que a tornam mais diversa e, por isso, mais rica.
É preciso sair dessa armadilha, e isso só pode ser feito por esses africanos que encaram sem medo a sua pertença ao mundo mestiço. Alguns dos chamados africanistas, por mais que esbravejem contra conceitos chamados europeus, continuam prisioneiros desses mesmos conceitos. Nem que seja para lhes dar importância, ainda que essa importância seja concedida pela negativa. Não se trata de encontrar identidade em recuos para um pureza ancestral. Os mais ferozes defensores do nacionalismo cultural africano estão desenhando casas do avesso mas ainda no quadro da arquitectura do Outro, daquilo que chamamos o Ocidente. De pouco vale uma atitude fetichista virada para os costumes, o folclore e as tradições. A dominação colonial inventou grande parte do passado e da tradição africana. Alguns intelectuais africanos, ironicamente, para negarem a Europa acabaram abraçando conceitos coloniais europeus.

De facto, a obsessão de classificar o que é e não é "africano" nasce na Europa. Por essa preocupação caminharam a etnografia e a antropologia, disciplinas que, até recentemente, procuravam identificar essências em lugar de processos. Os descobridores de identidades pareciam-se com os navegadores do século XVI: ansiosos, uns, por baptizar territórios que, afinal, já há muito estavam baptizados; outros, apressados em nomear categorias populacionais cujos contornos nem mesmo eles conheciam: as tribos, as etnias, os clãs.
Pense-se, por exemplo, na produção cultural dos africanos. Em lugar de valorizar a diversidade dessa produção e olhar o livro como produto cultural substitui-se a apreciação literária por uma visão mais ou menos etnográfica. A pergunta é - quanto este autor é "autenticamente africano"? Ninguém sabe exactamente o que é ser "autenticamente africano". Mas o livro e o autor necessitam ainda de passar por essa prova de identidade. Ou de uma certa ideia de identidade.

Exige-se a um escritor africano aquilo que não se exige a um escritor europeu ou americano. Exigem-se provas de autenticidade. Pergunta-se até que ponto ele é etnicamente genuíno. Ninguém questiona quanto José Saramago representa a cultura de raiz lusitana. É irrelevante saber se James Joyce corresponde ao padrão cultural desta ou daquela etnia europeia. Por que razão os autores africanos devem exibir tais passaportes culturais? Isso acontece porque se continua a pensar a produção destes africanos como algo do domínio antropológico ou etnográfico. O que eles estão produzindo não é literatura mas uma trangressão ao que é tido como tradicionalmente africano.
O escritor não é apenas aquele que escreve. É aquele que produz pensamento, aquele que é capaz de engravidar os outros de sentimento e de encantamento.
Mais do que isso, o escritor desafia os fundamentos do próprio pensamento. Ele vai mais longe do que desafiar os limites do politicamente correcto. Ele subverte os próprios critérios que definem o que é correcto, ele questiona os limites da razão.

Mia Couto
Julho 2002

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"You'll Never Walk Alone"

Uma canção que já tem uns bons anos, segundo as pesquizas que fiz a primeira gravação foi feita no início dos anos 60 com o grupo de Mersey sound de Liverpool, Gerry & the Pacemakers. Alcançou o número 1 no top britânico de singles em 1963e ficou nessa posição por quatro semanas conscecutivas. Rapidamente a música se tornou um hino para o Liverpool Football Club e é invariávelmente cantada por seus fãs antes do início e ao final de cada jogo, um facto que deixa os jogadores da equipa adversária a tremer. As palavras You'll Never Walk Alone estão no escudo do clube e nos portões de entrada (Shankly Gates) do estádio Anfield.

NS