sábado, 3 de janeiro de 2009

Relato de uma professora de matemática‏

Na semana passada comprei um produto que custou 1,58€. Dei à balconista 2,00€ e peguei na minha bolsa 8 centimos, para evitar receber ainda mais moedas. A balconista pegou no dinheiro e ficou a olhar para a máquina registadora, aparentemente sem saber o que fazer.
Tentei explicar que ela tinha que me dar 50 centimos de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.
Por que estou a contar isto?
Porque me dei conta da evolução do ensino da matemática desde 1950, que foi assim:
1. Ensino da matemática em 1950:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por €100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda . Qual é o lucro?
2. Ensino de matemática em 1970:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por €100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda ou €80,00.n Qual é o lucro?
3. Ensino de matemática em 1980:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por €100,00. O custo de produção desse carro de lenha é € 80,00. Qual é o lucro?
4. Ensino de matemática em 1990:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é €80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
( )€ 20,00 ( )€40,00 ( )€60,00 ( )€80,00 ( )€100,00
5. Ensino de matemática em 2000:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por € 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é € 80,00. O lucro é de € 20,00.
Está certo? ( )SIM ( ) NÃO
6. Ensino de matemática em 2008:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por €100,00. O custo de produção é € 80,00. Se você souber ler coloque um X no € 20,00.
( )€ 20,00 ( )€40,00 ( )€60,00 ( )€80,00 ( )€100,00

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Roger Milla - Eterno Sorriso Dourado

Será para sempre recordado como o sorriso do futebol Africano. Em plena agitação do futebol moderno, com “apenas” 38 anos, mostrou o seu génio e calor dançando para o público de todo o Mundo, contagiando tudo e todos para sempre, aquele que acertadamente é reconhecido como o maior futebolista africano da história - Roger Milla.
África. Se fecharmos os olhos e nos rendermos às palavras e adjectivos que caracterizam este Continente podemos ver a realidade como Europeus, que há séculos atrás com os seus soldados, burgueses e colonos, traziam incríveis relatos de um lugar mágico e envolto em mistérios. Em pleno século XXI, o seu significado ainda se mantém: habilidade, façanha, proeza… empreendimento muito difícil. Sinónimos que ainda hoje se reflectem num continente que recusa adoptar um estilo de vida que não é o seu, até que a magia do futebol veio para agitar e contagiar as várias nações num património sócio-cultural de grande fragilidade, influenciado pelo tribalismo e pela conturbada herança da opresso das ditaduras coloniais. O futebol africano nasce aqui, a sua história passada e futura só pode ser compreendida perante estas enigmáticas e fascinantes condicionantes de um continente muito próprio que com o passar do tempo resultou num blend de emoções e movimentos cuja “expressão corporal” mantém o estilo primitivo do futebol, que só o continente negro sabe interpretar. Foi assim que nas última décadas ocorreu a viragem no futebol africano da África do Norte, isto é, a região mais rica do continente fruto da maior resistência aos costumes colonialistas, com o Egipto e Marrocos a perderem para a zona Ocidental todo o monopólio de participações internacionais, com a libertação dos “leões indomáveis” dos Camarões para o Mundo do Futebol. Fruto da realidade inata dos seus instintos, a selecção dos Camarões mostrou a combinação do jogo criativo com forte vocação ofensiva sob um ângulo ainda que reduzido, da disciplina táctica e técnica na preparação dos jogos. É neste contexto que surge o nome mais emblemático do futebol deste país da África Ocidental, independente da colonização Francesa há mais de 35 anos mas ainda mergulhado numa grave crise económica e social.
Nascido a 20 de Maio de 1952 na cidade de Yaound, Albert Roger Miller iniciou-se no futebol com apenas 13 anos no Eclair da capital Douala, onde permaneceu até 1974, sem antes mudar para o rival Léopard de Douala, onde alcançaria a marca de 89 golos em 117 jogos. A sua veia goleadora não passou despercebida e abraçou com agrado a proposta vinda do clube da sua cidade natal, o Tonnerre Yaoundé onde permaneceria 3 épocas apontando 69 tentos em 87 partidas disputadas. Com 25 anos, chegava a hora do desafio chamado Europa e a sua estreia no Velho Continente seria nos franceses do Valenciennes, onde se deparou com a realidade do futebol táctico e direccionado para os resultados. Sempre no campeonato gaulês, onde ainda hoje é bastante idolatrado, seguiram-se as experiências no AS Mónaco, Bastia, Saint-Étienne e por fim Montpellier onde encerrou uma passagem cujo perfume de qualidade e talento ainda figura nos museus de cada clube.
O ano de 1990, acabaria por ser o grande ano daquele que o futebol tratou de baptizar como Roger Milla. Para trás tinha ficado uma fugaz experiência europeia, sempre com sotaque francês mas que traria já na recta final da sua carreira o merecido reconhecimento internacional. Com 38 anos, o primeiro grande momento de Milla viria depois de ter pendurado as chuteiras para os palcos internacionais, quando parecia destinado a não beijar a fama. Foi então que perto da Índia, nas longínquas Ilhas Reunião, enquanto actuava pelo modesto JS Saint-Pierroise, recebeu uma chamada do presidente dos Camarões, que lhe apelou para recuar na decisão e vestir a camisola dos “Leões Indomáveis” durante o Mundial de 1990 na Itália. Em boa hora o fez, pois seria considerado como o jogador suplente mais precioso de toda a História dos Mundiais, ao apontar 4 golos como substituto e ao “oferecer” outros dois nos estrondosos quartos-de-final com a Inglaterra. Sagraria-se a uns incríveis 38 anos, como o melhor marcador do Mundial 90 com 4 golos que valeram uma caminhada histórica dos Camarões num Mundial onde introduziu a cultura da dança no futebol, com as celebrações de cada um dos seus golos com a famosa dança Makosaa na bandeirola de canto - uma imagem que ainda hoje se pode encontrar em figuras animadas de Milla a dançar, que ainda prosperam nas casas dos fãs em todo o Mundo.
O segundo grande momento de posteridade de Roger Milla só podia ser aquele que se passou ao minuto 19 do prolongamento do Camarões x Colômbia. No confronto de dois titãs - Roger Milla e José René Higuita mediram forças no estádio San Paolo, no dia 26 de Junho. O excêntrico guarda-redes colombiano tenta fintar a veterania do camaronês que de forma magnífica, rouba-lhe a bola e encara a baliza deserta. Esta seria a caminhada mais fulgurante para a glória de Milla e abriu o sorriso mais cósmico de que o futebol tem memória. Um sorriso que ficaria para o futebol como o de Mona Lisa para as artes.Porém, Milla mesmo já reconhecido como o maior futebolista africano da história, foi ainda mais longe. Em 1994, nos EUA, aos 42 anos o “avô” camaronês arrancaria o seu terceiro maior momento da carreira, quando se tornou no mais velho jogador de futebol a marcar um golo pela sua selecção num Mundial - o de honra na goleada infligida pela Rússia por 6 a 1. Neste jogo, vale também salientar outro recorde que se estabeleceu: o russo Oleg Salenko marcou 5 vezes, tornando-se o maior artilheiro de Selecção num só jogo em Campeonatos do Mundo.
Actualmente, Milla é embaixador para causas humanitárias em África. A presença em 3 campeonatos do Mundo (82, 90 e 94) e os feitos alcançados valeram-lhe a honra de ser um dos nomes que constam nos 100 melhores de sempre da História Mundial, encabeçada pelo astro canarinho Pelé. O seu nome foi escolhido juntamente com o liberiano George Weah, para os dois melhores jogadores africanos do século. Um contributo inigualável para as páginas douradas do Futebol, Milla foi o grande impulso para a história de sucesso dos Camarões e do futebol Africano, nas maiores montras internacionais.
by Gustavo Devesas

A misteriosa gramática da Ciência

A Matemática das Coisas
Autor: Nuno Crato
Editora: Gradiva
N.º de páginas: 246
ISBN: 978-989-616-241-2
Ano de publicação: 2008

Distinguido pela Comissão Europeia, já em 2008, com um European Science Award, Nuno Crato é um divulgador científico exemplar, num país em que os docentes universitários raramente partilham com o comum dos mortais os seus saberes. Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), além de presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Crato mantém há 12 anos uma actividade intensíssima de divulgação na imprensa, na rádio e na TV, a que tem acrescentado diversas reflexões sobre os problemas do sistema de ensino nacional.Didáctico sem deixar de ser lúdico, Crato volta a trocar por miúdos A Matemática das Coisas, num volume que recolhe 45 textos breves, quase todos publicados no semanário Expresso. O subtítulo da obra – “Do papel A4 aos atacadores de sapatos, do GPS aos engarrafamentos de trânsito” – dá desde logo o mote para uma abordagem que, não abdicando do rigor, se pretende ligeira. Ou seja, o objectivo do autor é não apenas revelar “a extraordinária eficácia da matemática para a descrição, compreensão e previsão dos fenómenos naturais” (característica que fez dela, ao longo dos séculos, a “misteriosa gramática da ciência moderna”), mas igualmente exemplificar como ela “atravessa o nosso dia-a-dia”.É de exemplos concretos, muitas vezes ilustrados por infografias (quase sempre mal paginadas, diga-se), que Crato parte. Dos algoritmos que permitem resolver problemas de partilha de um bolo entre amigos, ou aperfeiçoar sistemas de criptografia electrónica, ao funcionamento do GPS e dos faróis, passando pela importância dos interruptores ou pela diferença entre loxodromia e ortodromia, o espectro de temas tratados é vastíssimo. Tão vasto que inclui ainda a influência da matemática nas obras de Pablo Picasso, M. C. Escher e Jackson Pollock, o número de ouro, os sólidos platónicos ou a famosa máquina Enigma (usada pelos nazis para codificação dos seus segredos militares, durante a II Guerra Mundial; e que os ingleses conseguiram decifrar, ao reunir um dream team de sábios numa mansão em Bletchley Park, perto de Londres).Crato escreve com grande clareza, num estilo acessível ao mais leigo dos leigos, sendo capaz de resumir em poucas linhas os contributos dos grandes matemáticos do passado (Pedro Nunes, Euler, Gauss, von Neumann, etc.). Em certos casos, porém, esta capacidade de síntese é levada longe demais e os textos acabam por saber a pouco. É que num jornal, onde imperam as limitações de espaço, ainda se tolera ver o Rossio metido na Rua da Betesga. Num livro, não.

A minha passagem de ano com a Unitel

O fluxo de chamadas telefónicas na altura das festas é quase igual em todo o lado, e em Angola não foge a regra… É normal as pessoas quererem dar os seus candandos ao pessoal mais íntimo. Quando chegou o mês de Dezembro eu fiquei a pensar como seria a performance dos serviços da Unitel na altura da confusão… Bem, se em tempos mortos e de menor fluxo é o que é… ligas para alguém que está em Benguela, atente um da lunda, se tiveres sorte ele fala português e diz-te que é engano, senão tas ai uns tantos minutos a gastar saldo, ligas para alguém que tem o telefone ligado e diz k de momento aquele número não está conectado ou que simplesmente não existe… Agora, Imaginem (a maior família de Angola) decidir fazer chamadas na mesma altura… Desastroso, e ontem comprovei-o, dez minutos antes da meia noite cá em Angola recebi por sorte uma chamada de alguém que muito prezo a desejar-me boas entradas. Tão estúpido que fui, como faltavam 10 minutos pus-me a gozar com essa pessoa a perguntar-lhe se pensava que eu estivesse em Sidnei… ahahah, esquecendo-me da Unitel… Facto que não passou despercebido a essa pessoa que conhece bem a nossa realidade e decidiu dar um desconto de dez minutos… Desde essa altura não consegui nenhuma ligação, depois de uma hora, meia noite em Lisboa retribui o gesto… tirrimmmm, nada… ehhehe consegui dar-lhe os parabéns pelos primeiros 10 minutos de 2009… ehhehe
“Like someone I met said, the communications in Angola are a big shit”
By N.S

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Capitalismo, dinheiro e ética

Há milhares de empresas, grandes, pequenas e gigantes, espalhadas por esse mundo fora, onde a gestão é bem feita, o trabalho é sério, a produção é de qualidade e a comercialização é adequada. E, todavia, estão à beira da falência, suspendendo a produção, fechando para férias não desejadas nem previstas ou suplicando a ajuda dos governos. E, porquê? Porque o mercado não quer os seus produtos, porque não são concorrenciais? Não, porque o mercado não tem dinheiro para comprar o que produzem. E não tem, porque as poupanças médias foram sorvidas, melhor dizendo, roubadas, pelo sector financeiro especulativo. Não há dinheiro na mão dos consumidores porque os Oliveira Costa, os Rendeiros, os Madoff deste mundo agarraram nas poupanças que lhes confiaram e desbarataram-nas de duas maneiras: ou aplicando-as em pura especulação, sem qualquer critério de prudência e boa gestão; ou, pura e simplesmente, roubando-as, em benefício próprio.
Bernard Madoff representa o ponto extremo do capitalismo de sarjeta tão caro ao espírito "laissez faire, laissez passer" que os liberais dos tempos modernos nos venderam como cartilha tão infalível quanto a do marxismo-leninismo. Ambas têm em comum a capacidade notável de conduzir as nações à ruína, em benefício de uma restrita elite: a da casta dos "play-makers" da alta finança ou a dos quadros do Partido. Nicolae Ceausescu, que chefiava uma nação comunista e miserável, vivia rodeado de mordomias só comparáveis às dos marajás da Índia imperial: mas era tido e louvado como um 'revolucionário socialista'. Bernard Madoff, que simbolizava exemplarmente o sonho americano de vir do nada até ao infinito, era cativante, 'moderno', filantropo, sócio do Palm Beach Country Club, garantia de seriedade e profissionalismo: um génio da finança, que se dava ao luxo de não aceitar qualquer cliente para a sua 'grande mentira'. Com uma diferença: Ceausescu só enganava quem se queria deixar enganar; Madoff enganou todos, ao longo de trinta anos, e, entre eles, os melhores bancos do planeta, a fina flor dos analistas financeiros e as autoridades de suposta vigilância dos mercados americanos. Ah, e outra diferença: Ceausescu acabou preso e executado; Madoff está em casa, de pulseira electrónica e rodeado de luxo. Dir-me-ão que Ceausescu foi responsável pela morte de milhares de pessoas e Madoff não. Até certo ponto: Madoff levou e levará milhares de pessoas ao desemprego, milhares de famílias à miséria, dezenas de organizações de beneficência ao fim, alguns, mais desesperados, ao suicídio. Estou como o dr. Mário Soares: terá de haver sangue. Mas, forçosamente, suor e, desejavelmente, lágrimas.
Isto não é apenas uma crise económica, nem o resultado das aventuras criminosas de algumas ovelhas tresmalhadas do rebanho. Isto é, sobretudo, o resultado de uma crise de valores - políticos, sim, mas também éticos. É o resultado de o Estado se ter demitido do seu papel de vigilância e controlo dos poderosos e de a sociedade se ter dispensado de questionar a origem dessas súbitas e espantosas fortunas que cresceram debaixo dos nossos pés. O dinheiro deixou de ser um ponto de chegada para passar a ser um ponto de partida. Dantes, era necessário justificar socialmente a origem do dinheiro e nem mesmo os novos-ricos legítimos eram bem aceites; hoje, é o dinheiro que, por si só, justifica tudo. Lembro-me de o meu pai me contar que, num julgamento onde participava, apareceu para testemunhar um senhor com um ar importantíssimo e cheio de si que, perguntado pela profissão, respondeu:
- Capitalista!
A sala rebentou numa gargalhada e o juiz interpelou-o:
- Isso não é profissão...
- Pode crer que é, sr. dr. Juiz! - volveu o tipo, sempre seguro de si e da sua importância. Sem o saber, estava, contudo, apenas a antecipar o que viria a ser a regra banal dos tempos de hoje.
Nesses tempos de então, o homem mais rico de Portugal, António Champalimaud, detestava que alguém se atrevesse a tratá-lo por 'capitalista' e definia-se sempre como um 'industrial' - palavra que, a seus olhos, tinha quase uma conotação marxista, de quem se impunha pelo seu trabalho, pelo seu talento, pela obra feita e pela riqueza criada. Hoje, um dos homens que integra a lista dos dez mais ricos de Portugal, entrevistado neste mesmo jornal há tempos, revelava com orgulho que não dava trabalho a mais do que meia dúzia de 'colaboradores'. Era e é um mero especulador bolsista, aplicando a velha máxima marxista de que o dinheiro gera dinheiro e convencido de que é um génio da finança e da 'gestão'. Espero que esteja agora afogado nos fundos Madoff ou em barris de petróleo comprados a 147 dólares o barril, enquanto nós e o país sofríamos com os preços inflacionados por estes abutres do sistema...
A crença de que a sociedade e o poder político se tinham desinteressado de questionar a origem das fortunas e a legitimidade dos negócios puramente especulativos levou a uma espécie de embriaguez moral, que corrompeu sem remissão excelentes quadros financeiros, extremosos chefes de família e devotos cristãos sem mácula. Quando leio que as administrações do BCP - esse "case study" da excelência bancária - criaram dezassete "off-shores", que, entre outras coisas pouco recomendáveis, poderão ter servido também para comprar anonimamente acções do próprio branco e assim fazer subir artificialmente as suas cotações (e, logo, fazer empolar os resultados do exercício e os prémios de gestão dos próprios administradores), realizo que isto, a confirmar-se, é a completa falta de vergonha. Eram os gestores a usarem o dinheiro do banco para, indirectamente, se enriquecerem a si próprios. Ou seja, roubarem o próprio banco que geriam. E ainda querem a prisão preventiva para quem assalta carros?
Vi há dias uma manifestação de desempregados do Norte, gente que viu ir à falência uma série de empresas que nem sequer lhes pagaram os salários até ao encerramento. Eram umas duas centenas de trabalhadores, em representação de cerca de 6000 que estão nestas condições e que reclamavam uma coisa muito simples: se há dinheiro do Estado para pagar os buracos dos bancos, por que não há dinheiro para lhes pagar a eles e depois ir executar as empresas? De facto, eles têm toda, absolutamente toda, a razão. Trata-se de 90 milhões de euros que lhes são devidos - em comparação com os mil milhões já injectados nessa vergonha do BPN ou os 450 milhões de aval (obviamente perdidos) nessa brincadeira do BPP. É indispensável que haja um mínimo de moralidade em toda esta escandaleira. É preciso que não sejam os contribuintes e os trabalhadores sem culpa alguma a pagar a factura dos crimes alheios, para que eles fiquem apenas menos ricos e impunes e possam, mais adiante, retomar o "business as usual" e voltar a reclamar os mesmos privilégios, atenções e louvores do costume. Por muito menos do que isto fizeram-se revoluções.
by Miguel Sousa Tavares

A Bush já se atirou tudo e mais um par de botas

Percebemos finalmente onde é que os iraquianos tinham escondido as armas. Andavam em cima delas, os dissimulados.
É curioso notar que a pequena História consegue ser, na maior parte das vezes, mais significativa e esclarecedora do espírito de uma época do que a grande História. Para mim é uma sorte, porque tenho um interesse muito grande pela primeira, e pouca paciência para a segunda. Posto isto, é um milagre que a RTP ainda não me tenha arranjado um programa no segundo canal.
O caso do jornalista iraquiano que atirou os sapatos a George W. Bush é um desses momentos que, por muito que seja excluído dos livros, nos faz compreender melhor o mundo em que vivemos. Em primeiro lugar, percebemos finalmente onde é que os iraquianos tinham escondido as armas. Andavam em cima delas, os dissimulados. É possível que, nas suas visitas ao Iraque, Hans Blix nunca tenha reparado que os nativos tinham os pés enfiados nos projécteis. Trata-se de um daqueles estratagemas genialmente simples que enganam toda a gente, mesmo exibindo descaradamente a prova do crime.
Em segundo lugar, nesta altura os alvos dos americanos estão definidos com uma clareza inultrapassável. A localização dos arsenais de guerra iraquianos foi, finalmente, revelada: há que atacar a Foreva da baixa de Bagdade, a Pablo Fuster de Karbala e a Hush Puppies de Tikrit.
Em terceiro lugar, tornou-se evidente para todos que Bush tem, de facto, estofo de estadista. Não é qualquer pessoa que se esquiva de um sapato arremessado àquela velocidade e volta a encarar o agressor com a nonchalance de quem pergunta: «Gosto do modelo, mas tem isto em 42?» Talvez seja importante não esquecer que, sendo texano, Bush está, provavelmente, habituado a que lhe atirem botas esporadas, consideravelmente maiores e mais perigosas do que os vulgaríssimos sapatos que o jornalista iraquiano optou por arremessar.
Em quarto lugar, ficou claro mais uma vez que um homem agredido reúne a simpatia de toda a gente. Mesmo sendo o presidente mais impopular de sempre, Bush recebeu votos de apoio de várias personalidades internacionais. Sarkozy qualificou o incidente de «inadmissível», Angela Merkel telefonou a Bush para lhe exprimir solidariedade e Imelda Marcos mandou um telegrama a dizer «Sortudo!».
Parece óbvio, por isso, o contributo precioso que este episódio oferece para a melhor compreensão do mundo actual. De acordo com as últimas notícias, juntou-se uma multidão à porta da cadeia em que o jornalista foi detido, exigindo a sua libertação. E, ao que parece, nem todos os manifestantes são soldados americanos que desejam ajudá-lo a melhorar a pontaria.
by Ricardo Araújo Pereira

O ‘bullying’ de José Mourinho

Os mind games do Mourinho sempre foram inspirados nos bate-boca de escola. Os remonques com que ele irritava Alex Fergunson e Rafa Benítez eram claramente devedores de clássicos como "o meu pai é polícia e bate no teu".
Para os dois ou três leitores que não acompanham com atenção a vida familiar de José Mourinho, aqui fica a novidade: ao que parece, o Special One tirou os filhos do colégio inglês que frequentavam em Palmela. Não o censuro. Eu também não gostaria que os meus filhos andassem numa escola em que os pais dos outros alunos batem na miudagem. Pode ser perigoso.
Já sei, já sei. O Mourinho não bateu no miúdo. A notícia foi logo desmentida, facto aliás inédito na nossa imprensa tablóide, sempre tão rigorosa. Mas ainda assim não consigo evitar uma certa desilusão com o comportamento do melhor treinador do mundo neste caso. Admito que certas crianças que andam na escola com os filhos do Mourinho são como a imprensa inglesa (embora tenham, talvez, um pouco mais de maturidade): fazem escândalo por tudo e por nada, insultam a torto e a direito, e mal sabem escrever. Mas esperava-se que Mourinho, tendo vivido tantos anos em Inglaterra, soubesse lidar melhor com o fenómeno. Em vez do Daily Mirror, agora tem de ouvir o Pedrinho. Se nunca puxou cabelos nem orelhas aos tablóides ingleses, que bem mereciam o correctivo, porquê tentar fazê-lo agora a uma criança de 12 anos? Melhor e mais eficaz teria sido se Mourinho tivesse aplicado ao Pedrinho os seus famosos mind games. Já serviram para irritar as personalidades mais poderosas do mundo do futebol, pelo que têm currículo mais do que suficiente para arrasar um adolescente pré-púbere de Palmela. Os mind games do Mourinho sempre foram, aliás, inspirados nos bate-boca da escola. Os remoques com que ele irritava Alex Ferguson e Rafa Benítez eram claramente devedores de clássicos como «o meu pai é polícia e bate no teu», ou «quem diz é quem é».
Julgo que, neste momento, já é óbvio para todos o que Mourinho devia ter feito. Chamava o Pedrinho à parte e dizia-lhe: «A minha filha tem melhores notas do que tu, pá. Tu estás no oitavo ano e ela no sexto porque tens sido beneficiado pelos professores, mas embora sejas dois anos mais velho do que ela, a miúda vai acabar a faculdade primeiro do que tu. E eu, quando sair daqui, vou comprar a casa dos teus paizinhos só para deitar tudo abaixo e colocar no mesmo sítio um cartaz de 50 metros por 20 a dizer que tu fazes chichi na cama.» Creio que, depois disto, o puto teria saído do colégio inglês de Palmela, e passaria a ser o pior aluno da escola secundária de Pinhal Novo. Tudo em menos de quinze dias.
by Ricardo Araújo Pereira