Não é uma questão de grana, corpo ou cérebro
“Mulher gosta é de dinheiro” é uma frase muito comum no discurso masculino, principalmente entre homens frustrados que se consideram bonitos, num bar silenciosamente desistem de entender a dinâmica do desejo feminino.
Em outro canto, um nerd investidor chega sozinho em casa, depois de levar uma garota para uma restaurante caríssimo, e inveja o rosto bonito do amigo Don Juan que parece provocá-lo com sua foto do Twitter que sorri sem parar.
O ricaço bonitão, por sua vez, em algum outro restaurante, patina em total desconforto diante dos papos iniciados pela morena deliciosa à sua frente. “Hum, acho que sei do que ela está falando… Qual era mesmo a filosofia de Hume? Era algum lance sobre não sabermos se o Sol vai nascer amanhã, é isso?”. Ele está certo e poderia até brincar com sua dúvida (ainda mais com Hume), mas permanece quieto e logo desvia o assunto ao mesmo tempo em que ela desvia seus olhos para a rua, não exatamente em busca de um historiador da filosofia, mas de um homem qualquer, menos covarde, que pudesse ouvi-la e seguir a conversa.
E enfim, numa sala de reunião ali perto, os homens com a combinação perfeita: dinheiro, beleza e inteligência. Ah, sim, muito deles são traídos por não terem tempo. E se tiverem tempo, senso de humor e treparem como animais… bem, algo me diz que não será suficiente.
O que dinheiro, beleza e inteligência tem em comum?
Todos os caras que tem dificuldades em seduzir uma mulher estão parcialmente certos ao culpar a ausência de grana, boa aparência ou plasticidade mental. No entanto, a razão para isso não é o fato de que as mulheres são atraídas por dinheiro, beleza e inteligência, como se cada um dos quesitos constituísse 33% da nota final.
Na verdade, as mulheres procuram (sem saber) um homem com uma qualidade específica curiosamente presente em homens extremamente bonitos, ricos e inteligentes. Entretanto, ela pode muito bem existir na ausência de tais atributos – em teoria, pelo menos.
Quem é esse homem tão desejado pelas mulheres? É o homem que pode escolher.
“Você é especial”
“Os amores da vida são fundados num quiproquó tanto quanto os amores terapêuticos. Quando nos apaixonamos por alguém, a coisa funciona assim: nós lhe atribuímos qualidades, dons e aptidões que ele ou ela, eventualmente, não têm; em suma, idealizamos nosso objeto de amor. E não é por generosidade; é porque queremos e esperamos ser amados por alguém cujo amor por nós valeria como lisonja. Ou seja, idealizamos nosso objeto de amor para verificar que somos amáveis aos olhos de nossos próprios ideais.”
–Contardo Calligaris, em Cartas a um Jovem Terapeuta
Depois dessa citação do Calligaris, você já pode brincar com sua namorada quando ela soltar elogios:
“Você só me acha esperto, gostoso e charmoso porque quer ser amada e desejada por um cara esperto, gostoso e charmoso.”
Não só ela. Todos nós, homens e mulheres, somos mendigos absurdamente carentes de olhares. Queremos nos sentir vivos – e nada melhor para isso do que uma pessoa com olhos brilhantes ao nosso lado. Queremos ter uma existência com sentido, ser alguém especial. Um parceiro que acredite em vidas passadas, almas gêmeas e amor eterno, piscando em nossa direção, talvez dê conta do recado.
Mas não vamos deixar nossa vida na mão de qualquer um. De que vale um elogio “Você é um gênio!” vindo de alguém com baixo QI? Pode admitir: é muito mais gostoso ouvir “Você é um gato” de uma mulher estonteante do que de uma feiosa.
Para que a gente se sinta especial, é preciso antes que nosso parceiro seja especial! Caso contrário, a gente não acredita, o encanto não pega, a mágica não funciona.
“Ela é especial” é uma das primeiras frases na fala de um homem apaixonado. O que ele esquece de dizer é o seguinte: “Preciso encontrar razões para que ela seja especial, caso contrário eu não acreditarei quando ouvir dela que sou especial”. E então ele diz que ela também adora AC/DC, se ela for um pouco gorda. Ressalta que ela faz tudo na cama, se não for tão esperta…
Mas nenhum desses elogios se compara ao grande “Você é especial”. Inteligentes muitos são, bonitos, ricos, gostosos também. Agora, o que mais desejamos é ser únicos, singulares, ímpares, insubstituíveis. Ou melhor, sem plural: premium, VIP, edição limitada, one of a kind.
Mais do que elogiados, queremos ser escolhidos. Não entre dois, três ou dez. Mas entre todos, de todo o o Brasil, de todos os países, continentes – planetas, se possível. Se encontro alguém que poderia conquistar 4% das pessoas e ouço um “Você é especial, você é tudo pra mim, case-se comigo”, bem, sou 4% especial, ou melhor, especial num universo muito pequeno. Eu poderia confessar a um amigo: “Eu não gosto tanto dela!”. A verdade? “Ela não é especial o suficiente para me fazer acreditar que sou especial”.
A verdadeira tesão em comer uma mulher perfeita não está na perfeição do corpo (afinal esses detalhes não fazem muita diferença no prazer sexual), mas na sensação narcísica de ser escolhido por uma mulher que poderia escolher qualquer outro homem.
É isso que Calligaris quer dizer com “aos olhos de nossos próprios ideais”: não basta que o outro me admire; eu preciso ser admirado por aquilo que eu mais considero digno de admiração e, mais ainda, por alguém que admiro. Como não consigo fazer tudo isso sozinho, chamo mais um par de olhos.
A redenção dos homens e o fracasso da esperança feminina
Do outro lado, qual é o homem que mais poderia fazer uma mulher se sentir especial?
O homem que pudesse ter todas. O homem que pudesse, sem mentir, sem pagar para tal, sem dar nada em troca, afirmar o seguinte: “Eu poderia estar agora com qualquer outra, mas estou com você”.
É por isso que dinheiro, inteligência e beleza parecem ser fatores de atração: eles ampliam o leque das possíveis mulheres que um homem pode conquistar. Qualquer outro atributo que faça o mesmo fará o papel do dinheiro. Ou seja, as mulheres não querem dinheiro, elas querem o que as outras mulheres parecem querer. Jessicar Parker e Melissa Burkley, duas pesquisadoras da Universidade de Oklahoma, concordam: mulheres preferem homens casados.
O que deixa tudo ainda mais engraçado: o nosso desejo não tem base alguma, não tem um objeto rastreável que poderia ser encontrado e entregue para nosso completo gozo. O nosso desejo – e principalmente o das mulheres – é montado em cima de outro desejo, que por sua vez se monta em cima do nosso, como em uma caminhada de dois cegos: “Vou te seguir, você tá olhando tudo, né?”.
Embora muitas mulheres se satisfaçam por um tempo com esse atestado imperfeito (“Ele poderia ter 90% das mulheres, mas me escolheu”), poucas desconfiam que essa impossibilidade de encontrar tal homem 100% garanhão é a prova final do fracasso desse processo de dependência. Não vai dar certo: homem algum conseguirá fazer sua mulher acreditar que é especial porque, no fundo, ela sempre vai pensar “Se ele pudesse pegar outras melhores, ele não estaria comigo”.
Aos homens, coitados, não sobra tempo sequer para relaxar um pouco depois dessa redenção. É nosso o mesmíssimo fracasso. Nenhuma mulher conseguirá atender ao que pedimos, sem saber, no começo da relação: “Seja uma mulher desejada por todos, uma mulher que possa ter qualquer um, quando quiser, e me escolha como seu homem; assim me sentirei um grande homem”. Sofremos do mesmo tipo de alucinação de Pinky e Cérebro. Não, não vamos conquistar o mundo.
Fica complicada até mesmo a vida do cafajeste que se propõe a usufruir dessa dinâmica para seduzir várias mulheres. Nenhuma delas vai conseguir estabilizar a identidade de Don Juan. Enquanto o homem comum se preocupa em seduzir mulheres, os cafajestes gozam mesmo ao conquistar desejos e assim afirmam sua identidade e seguem com sua energia. Assim que um desejo feminino for fisgado, ele será obrigado a partir para outra. Sua liberdade e possibilidade de escolha vai ter o mesmo tamanho de sua prisão.
Mas isso tem saída?
Abra qualquer livro de psicanálise – ciência maldita que começou a levantar tais questões – e vá direto ao fim. Muitas vezes a saída proposta é apenas isso: aceite esse processo e tente conviver da melhor forma com essa falta, essa impossibilidade, essa lacuna, esse vazio, esse abismo…
Eu concordo. Dentro desse jogo, não há resolução. Não há saída. Todos os condicionamentos estão bem costurados debaixo de nossa pele e não será tão fácil nos liberarmos desses padrões de comportamento narcísico, autocentrado. Adoro a visão psicanalítica justamente por ser tão impiedosa ao corroer nossas mais queridas ilusões e esperanças.
Talvez, no entanto, haja algum jeito de agirmos com liberdade em meio a esses jogos, até porque é a própria liberdade que está sendo valorizada quando desejamos o homem ou a mulher que poderia conquistar qualquer outro. Em vez de tentar sequestrar esse desejo livre para satisfazer nossa carência, haveria outro modo de relação entre dois seres nada especiais e completamente substituíveis?
Cabe a nós experimentar outras possibilidades e dar o exemplo.
Ainda estou longe. E você?
por Gustavo Gitti 24 novembro 2009
Sem comentários:
Enviar um comentário