segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Frigoríficos e Auto-estradas

Quem se afaste alguns quilómetros de Nova Iorque e entre nos seus subúrbios mergulha num ambiente surpreendente para o visitante europeu. Em vez de dormitórios incaracterísticos, trânsito confuso e áreas pouco tratadas, encontram-se ruas com poucos carros, muitos lugares para estacionar, relvados amplos, moradias, parques públicos e pequenos centros urbanos onde ainda prolifera o comércio tradicional.
Na América do Norte, suburbia não é termo depreciativo. É para os arredores das cidades que as famílias se deslocam quando adquirem aldum desafogo económico. A vida suburbana está rodeada de amenidades que para os europeus são o paraiso perdido. Parques, bibliotecas e livrarias amplas, mais árvores que casas, moradias de madeira cercadas de relvados, espaços onde as famílias fazem os churascos e as crianças brincam nos baloiços e em pequenos jardins.
De onde vem este contraste tão gritante entre os arranha-céus nova-iorquinos e as pequenas casas ajardinadas? Como foi possível criar duas urbanizações tão distintas a escassos quilómetros uma da outra? Como com todas as coisas, as respostas são múltiplas, mas há factores tecnológicos decisivos. Em primeiro lugar o aço e o elevador, que permitiram construir edifícios com mais de cinco andares, algo que seria difícil sem estruturas metálicas e sem aparelhos que levassem os residentes aos andares superiores. Foram esses dois avanços que permitiram às cidades crescer para cima e concentrar uma população elevada numa área reduzida. Mas isso não explica os subúrbios norte-americanos.
Nova Iorque propriamente dita tem cerca de 7 milhões de habitantes, cerca de metade dos quais na ilha de Manhattan. Mas a área metropolitana da cidade atinge mais de 20 milhões, o que quer dizer que a maioria vive na suburbia. Qual foi o invento que o permitiu?
Há quem diga, e com bastante razão, que foi o automóvel que possibilitou ao norte-americano esprairar-se pelos arredores das grandes metrópoles. E que foi a viatura individual que permitiu uma urbanização pouco concentrada, com inúmeras vilas que se espalham por centenas de quilómetros quadrados. Há algo de verdade nesta explicação, mas é insuficiente. Witold Rybczynski, conhecido do público através de Uma volta bem dada, dá uma resposta complementar no seu livro Cyte Life. O factor responsável pelo novo tipo de urbanização é nada mais nada menos que a invenção do frigorífico.
A ideia não é surpreendente para quem estude a história do urbanismo. O frigorífico permitiu armazenar alimentos e evitar a ida diária à mercearia, ao talho ou à peixaria. Os alimentos conservam-se muito mais tempo e compram-se em maiores quantidades. Assim, as famílias podem -se dispensar e viver longe dos centros de abastecimento, que deixaram de ser as pequenas lojas para passar a ser os supermercados. Mesmo com carro, não seria cómoda uma ida diária ao centro apenas para ir buscar o leite, o bife ou pão.
O aço, o elevador, a viatura e o frigorífico são os avanços tecnológicos responsáveis pela destruição do estilo de vida urbano tradicional. Os subúrdios do novo mundo perderam a vida de bairro, com o passeio diário à mercearia e ao café. Contudo, ganharam em comodidade e qualidade de vida. A mudança está a chegar tarde ao nosso país. Mas entre nós, segundo se vê pela desordem suburbana, os aspectos negativos sobressaem mais que os positivos. Será culpa dos frigoríficos?

in passeio aleatório (Nuno Crato)
N.S






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