quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Boçalidade e mau gosto na TV pública

Não sei se o leitor já apanhou com uma “coisa” chamada “A Liga dos últimos”, que começou pela RTPN e agora é emitida na RTP1, em horário nobre, e depois repetida em vários horários e canais, como se fora uma obra-prima. Trata-se de um exercício de extremo mau gosto, com uma pretensa visão humorística de um zé-povinho bronco de aldeias que já não existem, mas de uma boçalidade imprópria para consumo e perante a qual se sente um impulso irresistível para chamar a ASAE. Claro que se isto fosse feito num canal privado, com o dinheiro do dr. Balsemão ou do sr. Ricardo Salgado, vá que não vá, mas na televisão pública, com o dinheiro do Orçamento, que é como quem diz, dos nossos impostos, é um abuso para o qual chamo a atenção da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social). Dizem-me que aquilo começou sob a ideia simpática de levar o Portugal profundo (seja lá o que isso for) a casa da classe média urbana, metida nos seus ghettos citadinos. O futebol não federado, essencialmente amador, praticado nas zonas rurais do país, entre a tasca e o campo pelado foi o pretexto para esse “encontro”. Mas com o tempo e a ideia não sei de quem, aquilo passou a ser um exercício agressivo e intolerável da exploração das misérias alheias.
Adivinha-se o processo de fabrico, rápido e simples: a equipa da “Liga dos últimos” mete-se a caminho de uma terriola qualquer onde haja um campo de futebol pelado e umas balizas e, lá chegada, pergunta pelo “idiota” da aldeia, o tanso, aquele que é gozado todos os dias pelo pessoal. O “idiota” aparece sempre porque sim ou porque alguém o vai chamar, embalado pelo álcool ou pela demência, ou por ambas as coisas, disposto a fazer macaquices e a dizer disparates diante das câmaras, enquanto à volta o auditório ri e bate palmas. São frequentes os grandes planos de caras que nos causam repulsa, desdentadas, sujas, com riso patético e demencial, como se os autores do programa quisessem, de facto, chocar os espectadores. “A Liga dos últimos” é uma última manifestação do mau gosto ofensivo, da boçalidade, uma autêntica feira de aberrações. Contra este espectáculo pago com o dinheiro dos contribuintes, apelo à ERC, esperando que ela se indigne como eu perante esta ofensa ao tal país profundo que estes senhores pretendem retratar. Se acham que exagero, vejam, não mudem de canal.
by Rui Cartaxana

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