segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O ensino em angola - convite a reflexão‏

Uma experiência aterrorizadora….
Em 2005, após a conclusão da minha licenciatura em Sociologia – Organizações e Planeamento, na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, farto da vida em Portugal, vim para a minha terra natal aproveitar as oportunidades profissionais que Angola oferece aos seus filhos.
Como tendência natural e resultado do alto nível de centralização administrativa e política e de oferta de trabalho, fixei-me na terra da Kianda – Luanda.
Comecei a procurar trabalho, distribuindo curriculum para quase todas as empresas em que achei ser útil, desde empresas petrolíferas (BP, CHEVRON, etc.), organismos estatais, etc. Em Portugal, quando os nossos governantes fossem para lá, diziam-nos que o país precisa muito dos seus quadros que estão no estrangeiro, por isso pensei, tal como as outras pessoas, que posto cá arranjar um emprego não seria uma missão pandemónica. Ok, enganei-me!
Entretanto, lá consegui um trabalho, numa empresa de selecção e recrutamento de pessoal, a EMOSIST, uma empresa muito dinâmica. Na altura, o trabalho consistiu na selecção dos candidatos das bolsas de estudos no estrangeiro da SONANGOL. Ofereceram-me um salário razoável, cerca de 2000usd. Mas, tive que desistir de trabalhar nessa empresa, porque, por um lado os 2000usd não iriam cobrir as necessidades básicas da vida em Angola, i.é, renda de casa (imaginem ter de 1000usd de renda, não mensal, mas anual), e transporte pessoal (na altura residia em casa de um amigo no “projecto nova vida”, ir de candogueiro (às 4h30 da manha de nova vida até o Mira Mar é uma experiência desaconselhável), por outro lado, o quotidiano de Luanda pareceu-me monstruoso demais.
Decidi tentar a sorte na minha cidade natal, Benguela.
Em 2005, o único trabalho que podia encontrar era de professor, facto que em princípio muito agradou, sendo que sempre quis dar aulas. Julgo mesmo que as pessoas que tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento, têm o dever moral partilhá-lo com outras pessoas que não tiveram a mesma sorte.
Assim, comecei a distribuir o meu curriculum nas universidades que então existiam, a Lusíada, Piaget e a Universidade Pública.
A primeira entrevista foi-me concedida pela Universidade Pública. A pessoal com quem falei, disse-me que a universidade atravessava uma carência profunda de professores (na altura possivelmente só havia 2 pessoas formadas em Sociologia na província), por isso a minha vinda vinha mesmo a calhar. Mas, que primeiramente teria que levar o meu certificado à reitoria da Universidade Agostinho Neto em Luanda, para solicitar equivalência e respectivo reconhecimento dos meus estudos. Em princípio achei ser uma piada, mas depois percebi que o Sr. Dr, estava a falar a sério. Não percebi, por que carga de água é que uma instituição de ensino, que parece não ser reconhecida pela UNESCO teria de reconhecer os meus estudos? Não achei graça, e rapidamente desisti da ideia de aulas nessa Universidade.
Em seguida, procurei contactar o Piaget. No dia que lá fui, estava um calor de rachar, por isso, resisti ao fato e a gravata e fui vestido adequado ao clima de momento. Facto que se revelou num grande erro. Lá estava eu, 24 anos de idade, com uma calça de ganga e uma t-shirt, a perguntar dos requisitos necessários para apresentar a minha candidatura ao corpo docente da instituição. Fui naturalmente ignorado, pelas lindas funcionárias da recepção. Teimosamente, voltei para lá dois dias depois, e recusei-me a sair de lá sem que falasse com a Directora, lá fui recebido por ela. Uma senhora portuguesa, muito simpática, coincidentemente também formou-se na Universidade Católica, mas em VISEU. A conversa correu lindamente. Meses depois, estava eu a dar aulas nessa universidade.
O processo de entrada na Lusiada foi mais complicado, tive mesmo que recorrer aos meus amigos de Luanda, para dar a volta aos obstáculos do mosaico da cozinha.
Abril/Maio de 2005 iniciei a minha actividade docente.
Dar aulas revelou-se uma experiência aterrorizadora. Um mês depois de aulas, apliquei um mini teste nas duas universidades. Um autêntico desastre. A nota máxima, de 0 a 20, foi de 5 valores. O cenário era inacreditável, grande parte dos alunos, o que escreviam nem dava para se perceber, uma caligrafia horrível, uma ortografia extremamente errática, e é melhor nem falar na gramática. Fiquei absolutamente preocupado.
A conversar com eles acerca dos resultados, percebi que maioria deles nunca tinha lido um livro na vida (pessoas com idade compreendida entre 18 aos 60 anos de idade), e alguns nem se quer um jornal. Parte deles fizeram o ensino secundário no período nocturno, com a falha gritante de energia, está-se mesmo a ver. Enquanto, os mais adultos, grande maioria já trabalhava, estavam essencialmente de olhos no canudo, para garantir o status (que o “Sr. Dr.” oferece) e a reforma, os mais novos nem tinham noção da natureza dos cursos em que estavam.
A Direcção de uma das universidades, solicitaram uma reunião para a análise dos resultados. No essencial, a Direcção informou-me que eles precisam dos seus clientes e que acreditam que eu preciso do meu emprego, i.é, partilhamos interesses comuns. Com argumentos do tipo, o Sr. professor tem que se adaptar ao contexto, e que aqui não é Europa, etc. Eu disse-lhe apenas que não estava a trabalhar numa contextualidade, mas numa universidade e que não percebia como é que a Biblioteca da universidade tinha menos livros que os livros que comprei durante a minha licenciatura, e que a mesma nem tinha uma sala de internet. Percebi duas coisas: que eles estavam em Vennus e eu em Marte, e que eu constituía um obstáculo aos interesses da maioria dos alunos e dos meus patrões. Os alunos chegaram mesmo a rebentar com uma navalha, os quatro pneus do meu carro.
Com o tempo fui-me desiludindo, e assistindo os meus colegas que pautavam a actividade docente com seriedade e rigor abandonarem a actividade. Como não estava a fim de alinhar na mediocridade (exceptuando algumas pessoas realmente sérias e alunos muito aplicados), também abandonei o sonho de dar aulas.
Foi uma decisão muito dolorosa, por acreditar que a nossa terra já mais alcançará o desenvolvimento desejado (que por cá muitas vezes se confunde com crescimento económico), enquanto não apostar na formação, não apenas quantitativa, mas qualitativa do seu capital humano.

Para quem acredita em Deus, resta rezar muito, para quem não acredita, talvez acreditar no desígnio da natureza……


NOTA: É urgente pensarmos o nosso ensino
David Boio

4 comentários:

Anónimo disse...

Caros amigos,
é um desabafo medonho, sabido por muitos e ignorado pelos orgãos competente. o David disse e muito bem, nos nao precisamos apenas de formação quantitavivas, mas sim qualitativas. Esse facto deve se pegar na raiz, começando na formação de base porque se nada for feito nesse sentido a situação tenderá para o pior e contunuaremos a ter universitarios cegos e sem capacidade que o seu nivel o exige. Nesse caso não estou a falar de genios, mas sim de alunos intermedios e com capacidade intelectual no limite da media.
Como angolano que sou, sinto me totalmente triste, sentindo, sei a lá, nem se quer encontro um adjectivo para qualificar a minha indignação e dor. Mas essa ansia de tentar ajudar o nosso país obriga me a pedir vos para continuarmos a lutar e dar um pouco de nós para esse misero país.
OBS: gostaria que seguissemos o exemplo do David em partilhar as nossas experiencias e ponto de vista sobre a nossa banda.
Atenciosamente,
Efigênio Zamba

Anónimo disse...

Caros Amigos,

O ensino em Angola à muito que merece uma profunda e dinamica reflexão. Este tema vem mesmo a calhar e julgo que cada um de nós poderá dar a sua modesta opinião no sentido de se ultrapassar as dificuldades que enfrentamos a nível do nosso ensino.

Todos os dias cada um de nós se depara com situações diferentes relacionado com a nossa actividade, com programas televisivos ou outra situação qualquer. Em minha opinião deveria tudo começar de base, ou seja, criar-se estruturas de avaliação não corruptas que estabelecem critérios rigidos de avaliação dos colégios e escolas de públicas passando por uma clara e prudente avaliação dos docentes e alunos, exitinguindo todas as escolas que têm fins meramente lucrativos e não educativos, expulsando todos os professores que têm como objectivo o enrequecimento fácil e não educativo, criação de um sistema nacional de avaliação de alunos e escolas por docentes independentes à instituição a avaliar, criação de um sistema de avaliação de docentes por intermédio dos alunos, ou seja, o corpo docente ser avaliado pela classificação dos alunos e da instituição, criação de um sistema de subsídio de escolas públicas por meio de avaliação, ou seja, as escolas públicas serem melhores subvencionadas de acordo com a avaliação que lhes forem atribuidas de acordo com todos os critérios de avaliação considerados com rigor.

No âmbito do ensino superior, julgo que o Estado deverá criar mecanismo que fomentem a competitividade entre escolas públicas e privadas, ou seja, remunerar melhor os docentes universitários (Públicos) de acordo com o grau académico, experiencia em docência e artigos de investigação publicados anualmente; fomentar a investigação no ensino considerando que os docentes públicos deverão publicar as suas obras em revistas de especialidade internacionalmente aceites; criar um sistema único de ingresso ao ensino superior público e privado (Só vai para o ensino público quem for melhor); criar mecanismos de transmissão dos melhores quadros formados nas universidades públicas para ingresso imediato ao primeiro emprego; criar mais universidades públicas para permitir o acesso a todos que tenham capacidades para ingressar; criar bibliotecas com livros e obras de investigação permitindo o acesso de todos.

Penso que cada um de nós pode pôr o estado a prova e desafiá-lo a fazer com as melhores práticas só assim poderemos criar escolas de referência a nível mundial e deixaremos de importar cerebros como tem acontecido nos últimos anos.


MC
Francisco Figueira

Anónimo disse...

Compreendo que o nosso sistema de ensino comporte muitas irregularidades e, no geral, concordo com o vosso ponto de vista. Contudo, convem realçar alguns pontos que me parecem importantes:

1- O reconhecimento dos diplomas pela Reitoria da UAN faz todo o sentido na medida em que se pretende verificar a veracidade dos diplomas apresentados pelos diversos candidatos à funçao publica; Alguns com graves suspeitas de irregularidade. O excesso de burocracia pode não ser o melhor caminho mas o facto é que é a única maneira de assegurar que se recrutam doctores de facto. Um dos passos consiste em obter uma carta proveniente da universidade estrangeira a atestar a formaçao, O que parece boa ideia

So para terem uma ideia, em 2008 foram detectados dezenas de candidatos com diplomas/certificados falsos provenientes de algumas universidades privadas portuguesas, congo democraticas entre outras. Já imaginaram pseudo-medicos em hospitais a “tratarem” da nossa saude?

2- O nosso pais esta a passar por mudanças muito gandes. Acredito ser muito dificil (re)começar quando já conhecemos outra realidade nas europas e americas. Mas temos de saber dosear as nossas expectativas e as nossas exigencias. É que aliada à luta pela sobrevivencia e a extrema pobresa, a maioria das pessoas não sabe o que é ser responsavel, acreditam que a corrupçao e o desvio sao normais, (ate lhes chamam “biziness”) e o espirito do deixa andar é reinante. As pessoas que tiveram a sorte de ir buscar um bocado da luz la fora têm mesmo de ter paciencia porque a mudança de mentalidades vai levar tempo;

3- Vocês, no fundo do vosso pensar, acreditam mesmo que as Universidades privadas em Angola estao ai para formar? Não sei! Ca pra mim o interesse esta mais virados para o lucro e os alunos querem o canudo, com todas as vantagens que dai advëm. Logo, um professor que constitua um bloqueio para o lucro da “empresa” e para o canudo do aluno, não é bem visto! É até guerreado

Porem, o Governo deve criar condiçoes para que pessoas com formaçao e competencia não desaparaçam do mapa. Acredito que a saida do Boio e de muitos outros confrontados com situaçoes semelhantes, constitue uma perda para as Universidades e para o Pais.

De resto, as propostas de soluçoes ja apontadas, a serem aplicadas, já seriam de grande importancia. Se bem que, acredito que, o problema é muito mais vasto do que parece. As dificuldades que se sentem no sistema de ensino fazem parte de um mal mais abrangente; desde a falta de agua, luz, comida ate a falta de oportunidades, emprego…enfim uma seria de problemas basicos que carecem de soluçoes….

Um bem haja a todos. Temos de acreditar que isto vai mudar. Mas tudo depende das nossas acçoes enquanto povo. Afinal é o futuro das geraçoes futuras que esta em jogo ( enquanto isso...podem sempre mandar os filhotes estudar no estrangeiro, ou na escola portuguesa, ou francesa ou inglesa...basta preparar o bolso)

Avelino Kiampuku

Anónimo disse...

Olá Nuno, gostei muito de ler o seu blog, e como não podia faltar em relação ao seu comentario, infelizmente acontence nos paises em vias de desenvolvimento. Sou de Portugal e procuro novas alternativas profissionais, sendo o ensino um sonho de longa data que gostaria de ver cumprido. Deixo o meu e-mail para trocar impressoes. marisoljardim@hotmail.com. agradecia muito que contactesse.